1.8.07

cristalização

Ando em busca de um pouco de euforia. Por que ela se esconde tanto, hoje em dia? Na infância, estava sempre lá, pronta para emergir à primeira chance - chutando uma lata, correndo com o cachorro, fazendo uma barraca de cobertores na sala, subindo em uma árvore. Bastavam movimentos bruscos do corpo, desafios às regras e besteiras ditas.

Na adolescência, a euforia afunilou-se um pouco, escorrendo para a descoberta da música própria, que fazia sentido para você e mais ninguém, e as primeiros experiências com garotas, claro. A música era uma satisfação artística, a identificação de si próprio na obra de estranhos; com as garotas, a satisfação era fisiológica mesmo, uma solução à angústia do próprio corpo. Como ambas as novidades era vividas de forma intensa, implacável! O coração palpitava, forte, alimentando um cérebro que não largava o osso - o mesmo disco era ouvido por um ano, todas as noites, com encarte na mão; qualquer forma de contato na curva de relacionamento com uma garota, do primeiro "oi" ao primeiro beijo, era o ápice do dia.

Imagino que cada um tenha o próprio pretexto para a euforia. Olhando para trás, percebo que os meus momentos eufóricos eram descobertas sensoriais, bens que se rarefazem no decorrer dos anos, quando o mundo, as pessoas, o próprio corpo e a personalidade tornam-se velhos conhecidos. Tudo é colocado em gavetas, tudo é preconcepção, tudo é reação. Como seria possível encontrar essa descoberta sensorial, hoje, na vida que levo?

A arte ainda me proporciona descobertas sensoriais, mas de forma cada vez mais escassa. Muitos entretanto conseguem extrair muito dela, quase como se por oxigenação. Parecem-me seres iluminados, em consonância com outra frequência à minha - se não sinto isso de forma natural, que pelo menos me esforce em dobro!

Existem também as drogas: não as consumo, mas parece que elas dão conta do recado para quem o faz. Parando para pensar, são atalhos de um mesmo processo, pois mudam a percepção das coisas e, por consequência, geram picos de euforia, sem a angústia dessa procura infrutífera e existencial por momentos reais que inspirem o mesmo estado. Uma euforia Nissin Miojo, instantânea, embalada e encontrada no mercado - basta adicionar água.

Verei uns filmes do Bergman no final de semana para ver se me inspiro a perseguir mais a arte e ser um pouco menos cínico; caso os planos dêem errado, fumo crack.

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