28.2.07

boca na botija

"The ability to quote is a servicable substitute for wit."
W. Somerset Maugham

eu tento

"Men are never convinced of your reasons, of your sincerity, of the seriousness of your sufferings, except by your death. So long as you are alive, your case is doubtful; you have a right only to their skepticism."
Albert Camus

14.2.07

zeitgeist

Nesse último domingo, vi uma boa parte do Fantástico. Os destaques foram os seguintes:

1) Um bloco de longos minutos consistiu em levar o garoto atacado pela sucuri (e seu avô) para o Instituto Butantã. Esse foi o gancho mais ridículo que já vi para uma matéria. Foi hilário ver o cara do instituto explicando para os dois que a sucuri não se alimenta de humanos, mas que aquela especificamente tinha atacado o moleque porque estava com fome (?!?)

2) Contaram aquela história incrível da astronauta traída, mas acharam que o foco da matéria deveria ser o seguinte:

"É claro que essa história traz uma pergunta à mente de todos: dá para fazer sexo no espaço?"

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

O pior é que ainda colocaram o Marcos Pontes para responder à pergunta.

3) Uma matéria seguinte a uma entrevista com a mãe do João Hélio, que basicamente tentou culpar a elite - que sempre ignora os mais necessitados - pela animalidade dos assassinos. Falar que a injustiça social é o comburente do círculo vicioso do crime é bom senso; usar esse argumento para redimir o indivíduo pela crueldade de sua ação, como se ele não possuísse qualquer tipo de julgamento ou fosse um ladrão de padaria, é absurdo. Quase chutei a TV.

Essas são as manchetes da minha revista eletrônica semanal. Retrato claro do que interessa o brasileiro comum, corpo parasita da Rede Globo.

Quando vou procurar entender o que interessa uma audiência supostamente mais "qualificada", com acesso a internet e interesse diário em notícias - os leitores da Folha Online -, vejo entre as 5 notícias mais lidas do site uma coluna zapping, um crime digno de Notícias Populares e algo referente ao escândalo da semana na internet. Sempre.

Não noto distanciamento entre os dois públicos. Todos querem o factual. Assim fica mais fácil para começar uma conversa no bebedouro do trabalho.

Cada um tem seus gostos: música, filmes, religião, etc. Os fatos, entretanto, são compartilhados por todos - nosso mundo, por incrível que pareça, é um só. A utópica pauta comum, universal, capaz de suplantar crenças, valores e etnias, é muito mais simples do que argumentos mirabolantes de livros de auto-ajuda voltados à socialização.

Já que cansei de parecer um lunático, vou sempre soltar um "E o Lula, hein?" em meio a uma roda de pessoas e ver a mágica acontecer. Iniciarei a argumentação e depois balbuciarei palavras que jamais me derrubem de cima do muro. Sem polemizar ou me comprometer pela minha ignorância e total ausência de senso crítico, serei amigo de todos. Não é isso que todo mundo quer?

9.2.07

com essa chuva toda de ontem...

... fiquei a pensar: como seria a crônica mais babaca relacionada ao assunto?

O gancho seria estúpido, claro, mas o texto ainda deveria ser pretensioso, para que os leitores do jornal, revista ou blog achassem estar consumindo alguma forma elaborada de literatura.

Como sou um homem de ação, senhoras e senhores, fui além do campo das idéias e tentei elaborar uma resposta à questão. Segue:

"Aprendi nos livros da escola que a água era o solvente universal. Tipo de conhecimento que te acompanha pela vida, arraigado e inquestionável. Como a gravidade. Mas será mesmo? Um solvente universal não deveria dissolver tudo? Ou, pelo menos, aquilo que precisaria de dissolução?

Ontem sobrou água em São Paulo, em uma daquelas tardes que ainda te deixa em pleno estado de assombro, estupefato pela onipotência da natureza. Fiel aos meus dogmas escolares, mais valiosos do que qualquer livro sagrado, aguardei pela completa decomposição das máculas paulistanas. A evaporação do efêmero golfo que tomou a cidade revelaria a dissolução completa da fome, do crime, da injustiça social, da falta de respeito ao próximo. Restava dormir.

Hoje, acordei para outro dia de imundície. Em poucos minutos de caminhada, tudo estava lá, intocado, composto: o mendigo, os motoristas fora de si, os carros importados, o lixo na rua, a desordem.

Não foi dessa vez. Nem a onipotente natureza conseguiu dar conta do recado. Apenas dissolveu o pouco de esperança que restava dentro de mim."

Sério, alguém tinha que me dar uma coluna.

7.2.07

pelé good; maradona better; george best


George Best não chegou às alturas de Cruyff, Maradona ou DiStefano. Compará-lo então a Pelé?!? Sacrilégio, claro!

O próprio Edson, entretanto, discorda. Duas vezes. Não apenas declarou que George Best era o melhor jogador que já tinha visto em sua vida, como também mandou uma bola com os dizeres "Do segundo melhor jogador do mundo" para Best, quando este estava em seu leito de morte.

Mas então porque seu nome não tem tamanha projeção fora do Reino Unido?

Primeiro: a seleção da Irlanda era terrível e ainda não tínhamos uma transmissão ostensiva dos jogos interclubes. Best é considerado o maior jogador do Manchester United de todos os tempos. A cada partida, o público sabia que estava presenciando o tipo de genialidade que é contada de pai para filho ou em livros de história. Pense na repercussão que isso geraria hoje, no maior time do mundo, com a internet e a difusão da Premier League e da Champions League. Seu appeal local é inquestionável - seu funeral, em 2005, levou 25.000 pessoas para o cemitério, e o aeroporto de Belfast tem o seu nome!

Segundo: sua carreira futebolística sempre esteve em segundo plano - existiam tantas coisas melhores para fazer! Ele foi expulso do Manchester United aos 27 anos, porque sempre estava bêbado e atrasado para os treinos. Ao invés de aprender com seus erros, continou sendo um fanfarrão por todos os clubes por onde passou, e pelo resto de sua vida, até o seu fígado entrar em colapso. E, mesmo assim, sempre era o melhor jogador em campo, na base do talento puro.

Nós, mortais, crescemos sob a doutrina da determinação, do esforço, da dedicação e do aperfeiçoamento como as únicas vias para o sucesso na vida. Por isso uma figura única como Best desperta um misto de admiração e revolta. Ele era um ingrato, que pouco fazia de seu talento tão especial, mas que ainda conseguia tudo o que queria - o dinheiro, a Miss Mundo, a adoração -, enquanto o resto da humanidade contrabalanceava sua mediocridade com muito suor.

Mas ninguém está apto a questionar a conduta de Best. Quem somos nós para fazer tal julgamento, quando não temos a mais remota idéia de como deve ser nascer e viver com esse tipo de dom?

Na condição de ignorante, o recomendável é menos revolta e mais admiração.

A postura debochada e inconsequente de Best, para mim, apenas um desdobramento natural de seu talento, ainda rendeu essa pérolas:

"I spent a lot of money on booze, birds and fast cars - the rest I just squandered."
"I used to go missing a lot...Miss Canada, Miss United Kingdom, Miss World..."
(On David Beckham) "He cannot kick with his left foot, he cannot head a ball, he cannot tackle and he doesn't score many goals. Apart from that he's alright."
"If I had been born ugly, you would never have heard of Pelé"
"In 1969 I gave up women and alcohol. It was the worst 20 minutes of my life."
"I've stopped drinking, but only while I'm asleep."
"I once said Gazza's IQ was less than his shirt number and he asked me: "What's an IQ?""
(On the blood transfusion after his liver transplant) "I was in for 10 hours and had 40 pints - beating my previous record by 20 minutes."
(Joking in a discussion on Sky Sports News) "All seater stadiums? The fans WON'T STAND for it!"

6.2.07

a conveniência em ser uma enguia

Partindo de uma discussão sobre shock art, comecei a pensar sobre pessoas que vivem da capacidade de chocar, dentro e fora do contexto artístico.

Conclusões? Nenhuma. Presunções? Um bocado.

Acho que o choque é o mecanismo mais rudimentar que temos para chamar a atenção de alguém. Quando gera espaço para diferentes interpretações ou relações com o objeto, até compreendo o seu papel na arte. Mas normalmente sua repercussão é homogênea - desconforto por desconforto - e sua fundação, mirra.

(Bem, talvez uma pedrada ou um tapa na cara sejam mais rudimentares...)

O diagnóstico fica pior quando a vontade de chocar permeia as ações mais corriqueiras do dia-a-dia de uma pessoa, sem desculpas artísticas. Sinceramente, não há forma mais fácil de conseguir ser notado ou deixar uma marca - o choque pouco exige pensamento, técnica, sortilégios. Basta fazer algo fora da curva, estranho, bizarro. A transgressão de premissas sagradas na sociedade corrente, o oposto do esperado.

**E em qual ponto o choque torna-se o esperado? Porque ele já ficou enfadonho para mim. O chocante será não tentar chocar ou causar polêmica, mas ser insípido, inodoro e incolor. Vou começar a ouvir somente muzak e vestir-me de Brick Tamland.**

Mas como você conseguiria tanta atenção, afinal? Não é brilhante, tampouco belo. Melhor recorrer aos seus recursos de fábrica. Como um peru que acena suas penas. Fazemos coisas para chocar nossos pais desde bebês. Foi a mais simples dedução que te ensinou sobre o poder de comoção do choro, do grito ou da autoflagelação. Perder tempo para quê? Estamos aqui para receber atenção, certo? Sejamos enguias, distribuindo choques quando próximos a outrem. Não temos penas majestosas ou presas afiadas. Não somos os melhores nadadores e nem conseguimos sair da água, muito menos voar. Sejamos enguias porque simplesmente é o que nos resta.

2.2.07

apesar dos pesares...

gostei bastante de Goodbye To The Mother And The Cove, do disco novo do Clap Your Hands Say Yeah.

bratwurst

O Senhor dos Anéis é um livro grande. Um cartapácio, deveras. Quantas são as páginas, uma mil e poucas?

O tal Tolkien devia ter muita história para contar mesmo - quase no nível de um assistente pessoal do Michael Jackson, após 25 anos de convivência com o artista do milênio, na Terra do Nunca. Não dá para deduzir outra coisa quando analisamos sua obra e vemos o festival de romances de duas resmas.

Mas a superfície de contador de história compulsivo, desesperado por vazão dos inúmeros contos que habitavam sua mente, não procede. Tolkien era um grande trapaceiro, enchedor profissional de bratwurst.

A evidência que tive: O Senhor dos Anéis. Não passa de longo, longo, longo e pretensioso livro de aventuras gastronômicas por vinículas francesas. Ruim, ainda por cima. O narrador arregimenta um sem-número de adjetivos esdrúxulos para descrever comida e paisagens, e deixa o enredo em segundo plano. A tal variedade de adjetivos não denota riqueza na narrativa - trata-se apenas de um recurso estético para descrever os mesmos seis atributos, sem repetir palavras. Isso para não falar do péssimo final que não acaba.

Poucas páginas bastaram para compreender que as montanhas eram imponentes, homéricas e altaneiras; o vento, gelado, cortante e impiedoso; as lembas, deliciosas, nutritivas e preciosas - o que vinha ao caso, já que, TODA MALDITA NOITE, os hobbits comiam porções ralas, escassas e miúdas, sem no entanto perderem as esperanças, pois sonhavam, TODA MALDITA NOITE, com mesas fartas, opulentas e nababescas, cheias de pratos saborosos, suculentos e deleitosos, descritos de forma barroca, rebuscada e pormenorizada.

Mil páginas do parágrafo acima alçaram O Senhor dos Anéis aos títulos de livro mais amado da Grã-Bretanha de todos os tempos e de um dos 100 melhores romances da língua inglesa dos últimos 84 anos. Nada mal para uma história que precisaria de 150 páginas, com detalhes.

Mas por que tamanha enrolação?

Para mim, Tolkien queria fazer volume e impressionar com o tamanho do livro, para que as pessoas acreditassem que se tratava de um épico.Bratwurst. Parece que deu certo.

E desde quando ser épico é uma virtude?!?

Triste pensar que o tempo dispendido nesse embuste de literatura gastronômica não volta mais. Pior então pensar que fui, masoquista, até o final, como uma mariposa que bate sua cabeça contra a lâmpada uma, duas, cem, mil vezes, até a morte anunciada.